sábado, 8 de março de 2014

O "jogo da sedução" e a "cultura do estupro"

Eu estou ciente de que, apesar de eu ter colocado no subtítulo o termo “feminismo”, eu nunca dediquei uma postagem específica ao feminismo (apesar de eu falar sobre isso nas minhas duas críticas de games nesse blog). Não teria um momento melhor para falar sobre isso do que no dia da Mulher.

Como deu para perceber no blog, sou uma pessoa que gosta de falar sobre games, mas não necessariamente jogar, pois tenho prova de residência pela frente e pelo fato de não ter tantos jogos bons como antigamente, mas isso é assunto de uma futura postagem. Estou citando isso porque é comum fazer uma pergunta específica para quem costuma falar (mal) dos games e de sua indústria hoje em dia:

Qual foi o pior jogo que você já jogou em sua vida?
Eu gosto de responder que é o jogo da sedução. Porque é um “jogo” em que todo homem (e apenas) homem é obrigado a aprender a jogar; tem como objetivo convencer a mulher desejada a dizer sim (como se ela fosse uma porteira da vida sexual masculina e não um ser humano pensante) e sua jogabilidade se resume a padronizar as aproximações (cantadas) em algumas regras em que podem resultar em mudar a própria personalidade do homem em questão para poder “jogar”.

O pior deste jogo não está na sua jogabilidade: está em sua programação. O mundo foi moldado pela sociedade de uma maneira com que este jogo se torne “jogável”, ao contrário de muitos evolucionistas, que acreditam que pelo simples fato de animais “dançarem para fêmeas”, os humanos deveriam fazer o mesmo (como se fossemos irracionais). Como é moldado? Explico-te...

Se você nasceu homem, é empurrado para você que sexo é a coisa mais importante do mundo. Que você só será importante se fizer sexo. Muito sexo. SEXO SEXO SEXO. Não interessa a circunstância o método ou até o consentimento da parceira. Fazer sexo é mais importante que tudo, mesmo que tenha que drogar ou deixa-la bêbada para isso. Sexo está em todo lugar: nas propagandas, nos esportes, nos filmes, nas bancas e na internet, que é basicamente feito de pornografia. É como se fosse o dinheiro virtual dos homens. Eu não estou querendo dizer que sexo não é bom; estou querendo dizer que estão doutrinando homens a achar que sexo é a única coisa que importa no mundo.

Aí este homem manipulado tenta chegar à mulher que é convencionalmente bela com a idéia na cabeça que a dignidade dele está em jogo e que a vida dele é ali e agora; e leva um fora. E ele se frustra como se a vida dele estivesse perdida, mas não é pelo fato de ele gostar dela (algumas vezes pode até ser) e sim pelo status que ele não conseguiu chegar (leia-se: sexo). Aí ele culpa a mulher. Ele começa a achar que, se sexo é tudo e ela é responsável pelo “sim ou não” (homem nunca pode dizer não, senão é “gay”), ele acha que as mulheres mandam no mundo. E quando não admite a “derrota”, ele a estupra.

E é com essa mentalidade que nasce o movimento masculinista (ou mascu). Um grupo de ódio que fomenta a idéia que vivemos em uma sociedade “bucetista” inserido em uma “matrix” onde os homens são ensinados a jogar o “jogo da sedução” em que teoricamente funcionaria, mas que só realmente funciona quem faz o contrário do que o jogo ensina (leia-se: elas preferem os cafajestes). Esse grupo de ódio prega que todas as mulheres não prestam e que deveria matar (ou torturar) essas mulheres que se recusam a saciar a libido deles (que é insaciável, diga-se). Sim, estamos inseridos dentro dessa matrix (programação) onde somos ensinados a jogar essa porcaria de jogo, mas só que tem um pequeno probleminha:

As mulheres também são ensinadas a jogar esse jogo. E a pressão exercida sobre elas é milhões de vezes superiores ao dos homens.

Elas são ensinadas desde cedo que sexo é a pior coisa que pode acontecer com elas. Que é o pior pecado que elas podem cometer. Que a virgindade é o aspecto mais importante da vida dela. Que ela tem que ser delicada, não pode ser rebelde. Que elas têm que ter posição passiva para tudo, nunca pode tomar atitude. Que, se não conseguir aguentar a vontade de fazer sexo, teria que ficar presa com essa pessoa para sempre. Que ela tem que se dar “valor” (como se fosse uma mercadoria e não uma pessoa); não é a toa que elas acabem interpretando isso como um “fique com um homem rico”, porque afinal de contas elas podem inflacionar esse valor literalmente.

Se os homens são ensinados a só pensar em sexo e mulheres são ensinadas a evitar sexo o máximo possível, temos então uma contradição, certo? Essa contradição é o fator primordial do jogo e que o torna “jogável”. A mensagem enviada às mulheres servem para colocar dificuldade e desafio pro jogo. Elas, basicamente, são os “chefões” desse jogo protagonizado pelos homens. As vilãs. O mal. O obstáculo.

Quando uma mulher ousa (ou até mesmo cogita) em quebrar uma dessas regras que são impostas todo dia a ela, geralmente ela é hostilizada e xingada de “vadia”, “fácil”, “rodada”, inclusive pelas mulheres. Vou te dizer uma coisa: se você é mulher, você será chamada de vadia, independente do que fizer: só basta contrariar um homem. Então, porque essas que fogem da regra recebem um ódio desproporcional de toda a sociedade?

Simples: uma mulher dona de sua sexualidade é uma falha na programação. Um “glitch”. Um “bug”. Uma falha de programação tão grande que pode corromper o jogo e torna-lo injogável. Ela é a Neo dessa “matrix”. A “matrix” precisa de “agentes Smiths” para humilhar verbalmente a ponto de fazê-la desistir de prosseguir e de “Cyphers” para mostrar pra ela como é que ela pode se beneficiar fazendo parte do jogo.
Observação: Para quem não está familiarizado com o filme Matrix; Cypher é o personagem humano que trai os protagonistas para poder usufruir das vantagens ilusórias que a “matrix” proporciona a ele.

Como uma mulher sexualmente independente pode quebrar o jogo? Se um jogo não te proporcionar um desafio, este jogo ficaria bem menos engajante. Porém, o jogo precisa de mais algumas marteladas para quebrar de vez. É preciso que o homem também seja dono de sua sexualidade (o que é bem mais fácil já que ele é, segundo o jogo, sexualmente livre). Querer fazer sexo apenas quando este estiver a fim, e não porque a sociedade o obrigou ou porque ele é intitulado a fazer.

Oras, por que eu estou dizendo que este jogo precisa acabar? Porque este jogo cria e estimula a “cultura do estupro”. Como assim? De acordo com a Organização Mundial da Saúde, os fatores de risco para altos níveis de estupro em um país são: a crença na “honra de família” e puridade; ideologia em entitulamento da sexualidade masculina; e a fraca legislação em violência sexual. Posso dizer que o Brasil é bem forte nessas três categorias. É obvio ululante que sedução não é estupro. A diferença está no consentimento e no respeito à negação.

Quando uma pessoa ouve pela primeira vez em “cultura do estupro”, vem à cabeça de que existiria uma sociedade secreta que domina o mundo a lá Illuminati que premiam e dá recompensa aos homens que estuprem mulheres, o que não é o caso (apesar de eu não duvidar que possa existir mascus que premiam quem estuprem mulheres).

“Cultura do estupro” é um sistema cujas regras podem acidentalmente estimular ou facilitar a prática de estupro enquanto suas vítimas levam a culpa ou não são levadas a sério suas acusações, dando uma sensação de impunidade. E este jogo faz exatamente isso.

Como disse anteriormente, a sexualidade masculina é tudo para um homem inserido nesta sociedade e é capaz de tudo para obter sexo, mesmo sem consentimento. Tenho uma informação para te dar: sexo sem consentimento é estupro. Em qualquer circunstância.

Quando se tem uma notícia de estupro, é normal ouvir a desculpa do “instinto masculino” de o faz só pensar em sexo. Mentira. Não é instinto: é manipulação. E quando uma mulher é estuprada, o que as pessoas falam? Falam que a roupa estava indecente, que ela não deveria ficar bêbada, que ela estava pedindo, que ela não deveria estar ali... Basicamente, culpando ela. E o que a gente faz para evitar? Fala para as mulheres não serem estupradas e fica por isso mesmo, enquanto tem muito homem achando que estupro é sexo e, portanto, tem que ser adquirido.

Estupro não é sexo: é violência. Um homem que estupra não pensa sobre ter uma relação com a estuprada: pensa em ser superior a pessoa a ser estuprada, em mais um ponto obtido no “jogo”. É a humilhação máxima que alguém pode sofrer: ter o seu corpo ser manipulado devido à vontade do violentador. Não é a toa que em jogos online é comum às pessoas falarem de estupro como sinônimo de vitória. Um homem muito inserido no jogo, que consegue o “ato sexual”; ele está, basicamente, derrotando um “chefão” do jogo, segundo as regras desse jogo.

E assim é como o “jogo da sedução” estimula a “cultura do estupro”. Quando tivermos uma sociedade que faça sexo na base do amor e consentimento ao invés de programação e obrigação, viveremos bem mais felizes. Faça amor, não faça guerra.

10 comentários:

  1. Excelente texto. Ótima reflexão, resumiu tudo o que eu penso sobre "mascus".

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  2. Comentei no post do oscar agora, mesmo. Ótimo texto, obrigada.

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  3. Muito bom!
    Tem uns errinhos de português aqui e ali, mas, tá ótimo!

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  4. Gostei do texto. Me fez entender algumas coisas que eu não tinha entendido como a concepção de que vivemos numa sociedade bucetista. Agora minha ficha caiu.

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  5. Achei interessante essa visão, como se o mundo fosse um "jogo", e agora entendi um pouco sobre essa expressão que os mascus usam sobre a "matrix", e nota-se que essa cultura é bem doente achando que tudo isso é normal

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  6. Muito bom texto, parabéns.
    Cristiane

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  7. Muito obrigado pelo apoio, leitorxs. Eu pretendo escrever mais sobre esse tema (feminismo) futuramente devido a popularidade. Lembrando que eu também tenho posts de outros dias e anos; é só ir no arquivo. Não se preocupe em "perder conteúdo": é só clicar no marcador ¨Feminismo¨ e também eu colocarei o link no site da Lola e na página do face "Moça, você é machista" no dia que eu tocar nesse assunto de novo. Ok? ;)

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  8. Adorei o post!! Deu para entender um pouco sobre essas loucuras de mascus...rs

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  9. Olá Igor tudo bem com você? espero que sim.

    Eu não sei se você viu, mas criaram um blog nojento chamado tio Astolfo, que defende abertamente o estupro de mulheres e a pedofilia.

    E ainda me colocaram como autor do blog, só imagina o constrangimento que e para mim isso, por isso te peço que denuncie o blog

    http:// tioastolfo. com

    (Emende na barra do navegador a URL

    Eu coloquei assim a URL assim para diminuir o risco deste comentário ir direto parar na caixa de spam.)

    Para a policia federal por e-mail (crime.internet @dpf. gov .br) e/ou depois denuncie o para a http:// safernet. org .br/

    Ai talvez a PF de um jeito de tirar esta imundice de blog do ar e punir o dono.

    Se possível peça a outras pessoas que denunciem também, Conto com a sua ajuda meu colega de feminismo.

    Você não precisa publicar este comentário, eu só fiz ele porque não achei nenhum formulário para contato aqui, pode apaga o este comentário depois de ler.

    Espero ver novos posts seus no futuro.

    Um abraço

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