sábado, 26 de abril de 2014

Em defesa de Bayonetta e Lollipop Chainsaw

Esse vai ser um post complicado...



Videogames tem um vasto histórico de objetificação do corpo feminino. As personagens femininas geralmente são feitas primeiramente para agradar os gostos sexuais masculinos (“male gaze”) e tudo mais (personalidade, função no enredo e até o nome) vem em segundo lugar. Isso é FATO! Não tem discussão. Eu sei que “gays e mulheres héteros também gostam de mulheres bonitas”, mas a indústria dos videogames nunca se importou muito com esse público.

Diante de quase infinitas opções para exemplificar essa tese (dá para tirar várias apenas com a franquia “Dead or Alive”), a maioria das feministas preferem usar Bayonetta e Lollipop Chainsaw como exemplo. Esse post foi feito para demonstrar porque esses exemplos são exatamente os piores que você pode usar. Vou começar com o mais complicado dos dois:

BAYONETTA



SPOILER: no game, a personagem é geralmente mencionada como “Bayonetta”, mas o verdadeiro nome dela (Cereza) é tecnicamente um spoiler. Mas, vou usar o nome Bayonetta, porque todo mundo usa.

Eu sei que é muito difícil dizer que uma personagem que tem o poder de “manipular o cabelo”, com a sua roupa sendo feita do cabelo dela, tendo que ficar nua enquanto golpeia não caracterize em um “male gaze”. Mas é isso que vou fazer.

Para a minha defesa, eu vou citar duas atrizes muito conhecidas pelos cinéfilos: Sharon Stone e Megan Fox.



Megan Fox é conhecida pela franquia de filmes “Transformers”. Ela não tem função na história além de “namorada do protagonista” e fica o filme inteiro de boca meio-aberta. Ela só existe como “male gaze”. Quase todas as personagens femininas dos games (as que não são princesas indefesas) agem como ela.



Sharon Stone é conhecida pelo filme “Instinto Selvagem”, mais precisamente pela cruzada de perna que fez naquele filme. O papel dela era de uma psicopata manipuladora que seduzia os seus alvos. Os alvos, em questão, são os personagens do filme e não a audiência. Ela era sexualmente intimidadora.

Bayonetta pode não ser uma psicopata nem manipuladora, mas ela é sexualmente intimidadora. A primeira personagem da história dos games a estar ciente e ser dona de sua sexualidade. Nós deveríamos estar soltando fogos de artifício em algum lugar...

Ok, então como diferenciar uma personagem sexualmente intimidadora de uma “male gaze”? Muito simples: olhe nos olhos dela!

Personagens “male gaze” estão constantemente olhando fixo em direção a tela como tentativa de “quebrar a quarta parede”, enquanto personagens sexualmente intimidadoras olham para outros personagens e só olham a tela se a filmagem deixa clara que tem um personagem atrás da tela. Em quase nenhum momento Bayonetta está olhando para a tela.

A sexualidade das personagens de videogames quase sempre foram tratadas de duas maneiras diferentes: ou ela é dócil/submissa/sex-positive (para que seu público não se sinta inseguro ao masturbar); ou ela não demonstra emoções (para dizer ao público que ela não está interessada por você simplesmente porque está interessada por ninguém). Personagens sexualmente intimidadoras vivem exatamente no meio termo: demonstram interesse sexual, mas não necessariamente a toda hora e para qualquer um.

“Mas a Morrigan (Darkstalkers)...”

Ela é uma súcubo. E súcubos são seres mitológicos que drenam energia das pessoas com a relação sexual. Ela não é dona de sua sexualidade: ela depende daquilo para sobreviver. E, se não me engano, isso também é um tipo de “male gaze”.

“Mas o corpo dela é absurdo!”



Sim, ela é estupidamente sexy e bonita, mas pelo menos, é mais realista. Eu estou ciente que sempre falo sobre “gráficos realista em games nem sempre significa ser bom”, mas em uma mídia que o surrealismo da objetificação atrapalha a vida real das mulheres, o realismo, nesse caso, ajuda. De “impossível de ser real” para “provável, mas absurdo” é uma pequena e significativa diferença. Baby steps...

As partes geralmente “hipersensualizadas” das personagens femininas nos videogames (seios e rosto) estão muito menores do que a média das personagens e ainda é muito grande se comparado com as humanas da vida real, o que demonstra uma falta de noção sobre anatomia feminina em uma grande parte da indústria dos games.

Algo para se notar é que a parte do corpo que tem mais destaque é uma que não se dá tanta importância nas personagens femininas nos games: as pernas. As pernas são absurdamente grandes porque é preciso ter uma base para sustentar um quadril e busto daqueles, além de ela usar constantemente armas de fogo com os pés, o que exige musculação extra nas pernas.

Mas se você é uma daquelas pessoas que acha esse argumento o mesmo do que “ela manipula a gravidade para manter os peitões em pé”, “ela tem milhares de anos, mas está presa em um corpo de uma garotinha” e “as roupas espaciais são apertadas porque ela vive no futuro”, eu realmente não tenho como te convencer.

“Mas ela luta feito stripper!”

Ela não luta feito stripper: ela luta feito bailarina. A diferença entre bailarina e stripper é a mesma entre uma personagem sexualmente intimidadora e uma “male gaze”: a stripper dança com o intuito de seduzir a audiência enquanto a dançarina dança com, sem e apesar da audiência.

“Mas ela chupa um pirulito...”



Não tenho como dizer isso sem te insultar, então eu vou ter que te insultar (me perdoe). Você precisa ter um pênis muito pequeno para se sentir seduzido por aquilo. Aqueles pirulitos nem servem para um lanchinho. Eu entendo que “mulher chupar pirulito” passa a idéia de um “sexo oral” na cabeça do homem, e é por isso que os pirulitos vendidos na loja geralmente tem uma grande extremidade: para que as mulheres demorem a chupar e os homens terem mais tempo para deliciar com a visão. Porém, os pirulitos dela eram mínimos! Em uma mordida já acabava.

“Mas Freud disse que as armas são representações fálicas e...”

Sim, eu sei. As espadas ou armas de fogo nas mãos dos homens servem para reforçar a sua “masculinidade” enquanto as mulheres com armas servem como uma tentativa de “ser homem”. Eu entendi. Portanto, as armas que Cereza usa tem a sua importância e ela gosta de usá-las, mas são dispensáveis, ela pode muito bem se virar sem elas. A metáfora da liberdade sexual está evidente aqui.

Se ao menos esse game tivesse um melhor enredo para essa personagem, que é a melhor desenvolvida de toda a história dos videogames, seria perfeito. Mas os videogames têm aquela questão do “se tem boa jogabilidade é bom”, portanto posso dizer que a jogabilidade está a altura da personagem. O que eu não diria a mesma coisa do outro game em questão:

LOLLIPOP CHAINSAW



O game foi fortemente vendido como um “típico Suda 51”. Pra quem não sabe, é uma desenvolvedora de games que tem como característica principal o seu humor absurdista e enredo “descerebrado”. Permita-me discordar dessa última palavra.

Para a minha defesa, eu vou mencionar um estereótipo sexista muito comum nos games modernos: a do homem guerreiro e mulher protetora.

Essa divisão de tarefas baseado em gênero existiu desde os primórdios da humanidade, onde o homem caçava os animais e as mulheres cuidavam da família e da moradia. Até hoje em dia isso reproduz: o homem trabalha e a mulher é dona de casa.

Nos videogames, esse estereótipo foi popularizada pela franquia “Uncharted”, tendo aparições em vários outros games recentes como: Halo, Force Unleashed, Alone in the dark (reboot), Devil may cry (reboot), Arkham Asylum, Bioshock Infinite, etc...

Nesses games citados, o protagonista masculino está sozinho na linha-de-frente recebendo instruções ou ajuda de uma voz feminina. Ironicamente, o corpo dessas mulheres quase nunca é mostrado, dando a impressão de que ela está fazendo um papel materno de “nutrir” o homem ou a de que a mulher só pode ser inteligente ou bonita, mas nunca as duas coisas. O velho complexo de “mulher para casar ou mulher para ficar” (madonna-whore complex). Não é a toa que Virgem Maria e Maria Madalena são xarás.

Por que eu estou escrevendo isso? Porque eu preciso dessa informação para te introduzir o Nick.



Esse é o Nick, namorado da Juliet Starling, a protagonista do game em questão. Como deu para perceber, ele é uma cabeça. Ele não tem corpo, portanto ele não pode andar e muito menos atacar. Portanto, a sua função ficou muito restrita a auxiliar Juliet em suas batalhas.

A denúncia ao machismo existente na indústria de games está evidente: um homem tem que abrir mão de seu corpo quase inteiro para ter um papel “igual” a de uma mulher em um game, ironicamente a parte em que elas são hipersexualizadas.

Mas é claro que o corpo da Juliet é completamente surreal em todos os sentidos e centímetros do corpo: ela foi feita assim para fazer com que os “gamers” não percebam essa denúncia e fiquem se “deliciando” pelas curvas irreais dela.

Eu tenho mais uma curiosidade para a contar, mas para isso vou deixar um SPOILER!

Juliet Starling é uma “cheerleader” da escola onde estuda e namora o capitão da equipe de futebol americano da escola (quando ele tinha um corpo). Portanto posso dizer tranquilo que esses dois personagens são representantes da elite, classe dominante. Eles são os mais populares do colégio: eles são o “pop”. Não é a toa que o game tenta tocar pop quando enfoca os personagens.

Lollipop, lollipop, ulaláaaa, lolipop!

A história se resume a uma invasão zumbi de outra dimensão. Para detê-los, a Juliet precisa derrotar cinco zumbis-chefes para cancelar a invocação de um zumbi-deus. Esses chefes são representados por gêneros musicais (punk, metal, reggae, disco e rock, respectivamente). Esses cinco tribos musicais são metáforas das minorias étnicas, já que não são tão populares quanto o pop.

Duas características que os cinco chefes tem em comum são a sua misoginia e o “slut-shaming” (chamar de puta). Um deles tem literalmente o superpoder de ser misógino, usando as letras P U T A como golpes físicos. Eu sei que uma das chefes é mulher, mas ela também usa o “slut-shaming”. Moral da história: os grupos minoritários podem ser tão ou até mais misóginos do que o grupo dominante.

Depois dos cinco derrotados, a protagonista percebe que o vilão principal usa os cinco falecidos como sacrifício para envocar (e não cancelar, como dito anteriormente) o zumbi-deus. E você quer saber o motivo do vilão em querer “destruir o mundo”? Era simplesmente porque a Juliet não deu bola pra ele e quis o “cafajeste macho-alfa” do Nick.

Vamos ser sinceros: isso não seria exatamente a mesma coisa que um mascu faria se tivesse a mínima oportunidade de fazer? Querer destruir esse mundo só porque as super-top-models não querem ficar com ele?



O game deixou MUITO claro que os dois não foram feitos para ficarem juntos: o vilão aparenta ser quase um Marilyn Manson, extremamente feio e com vestimenta incolor enquanto ela é multi-colorida e, repetindo, hipersensualizada.

Lollipop Chainsaw é muito mais inteligente do que você pensa, mas ainda não é um Sucker Punch. Falando em Sucker Punch...

Ah, fica pra um outro dia!

4 comentários:

  1. Gostei dos textos, realmente me fizeram parar para pensar.

    Sobre a Bayonetta, nunca tive nada muito contra ou a favor dela, mas eu tinha essa visão. Nunca achei ela sexualmente apelativa (apesar de tudo), muito pelo contrário: eu sempre a achei muito dominante. Eu tenho a impressão de que, se ela fosse uma mulher de carne e osso, seria daquelas que faria o que quisesse na hora que bem entendesse. Ponto.

    Como nunca joguei o Chainsaw, nunca tinha parado para pensar a respeito.

    Tive um debate em um grupo de amigos recentemente sobre isso: será que uma personagem vestida de maneira sensual não pode ser uma boa personagem? Por qual razão a desconsideramos tanto? Elizabeth de Bioshock Infinite usa um senhor decote mas é ela quem faz a história girar. É uma questão que dá muito pano pra manga. Mas ao mesmo tempo, não sei se posso afirmar que ela foi criada com a intenção de ser ~sexualmente livre~ ou coisa do tipo, não sei o que se passa pela cabeça de seus criadores...

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    1. Ana Clara,

      Não existe problema em ser sexy, ter sensualidade ou ter sexo, desde que a mulher em questão seja dona de sua sexualidade. Desconsideramos tanto porque tem muito game aí que coloca "armadura de lingerie" que fornecem nenhuma proteção real a batalha e servem apenas como "atração" aos olhares masculinos.

      Elizabeth não fazia a história girar: a história girava em torno dela. Grosseiramente resumindo, Bioshock Infinite era um game onde dois pais lutavam pela guarda (ou posse) da filha. O "senhor decote" era mais no finalzinho. No ínicio, ela estava com roupas muito conservadoras e ao passar do tempo ela ia usando roupas mais reveladoras como uma metáfora da liberdade que ela adquiriu. A liberdade em questão é prisional, mesmo.

      Quando o game foi lançado, Ken levine, o "autor" do jogo, ficou implorando para a internet não fazer pornô dela, o que demonstra um sentimento de "posse" dele em relação a personagem, como se fosse uma filha e querendo "preservar" ela.

      Para algúem que tinha o super-poder de fazer literalmente tudo, ela tinha uma posição completamente passiva nas batalhas, sendo uma assistente do "macho-alfa" (como descrevi na minha crítica). Ela era um "cubo da companhia com um corset". Falando nisso, o link da minha crítica ao game:

      http://nerderudito.blogspot.com.br/2013/11/critica-bioshock-infinite.html

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  2. Ah obrigada pelo post, Igor. Vendo pelo seu ponto de vista tenho que concordar sobre a Bayonetta. Mas ainda acho esquisitão ela ter que ficar pelada. Doidera.

    Serião que esse é o enredo de Lollipop? Huashuahs não joguei. Mas eu ri. É da Rockstar?

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